sábado, 15 de janeiro de 2011

Amor e Solidão

Um pedaço de mim se soltou do meu peito,
Criou asas e alçou vôo, indo para longe...
A cratera toráxica deixada sangra amor,
Amando quaisquer pedaços que existam...

Isso é amar a sós no leito
Sem amar como monge,
Amar em conjunto com a dor
De não ter mais o amor
Mas ainda assim amando quaisquer que vivam.

Esse amor abrangente
Está só em sua paixão,
Displiscentemente
Sangrando em vão.

Pois chove dentro de mim
E eu já não sei mais
Que farei com esse vazio,
Esse pedaço foi-se ao Fim
Deixando-me sem paz
E o meu viver jaz sobre um fio.

Não é possível ser consigo, apenas,
Nem consigo querer a todos simultaneamente,
Tenho pensado Compadecimento
Enquanto sangro por dentro
Num violento desalento
De querer sentir-me plenamente,

Agora a chuva dentro de mim
Enrubrece minha visão.
Eu nada enxergo, estou cego
De amor e solidão.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

História e Religião

Nasce o filho de um rei
Nos primórdios da nossa história,
Destinado a ser Lei
E a personificação da Glória.

Ouvindo o que lhe diziam
Desde que palavras entendeu
Concluiu que tudo que havia
Devia seu ser ao seu Eu.

Resumido o mundo
Ao reino em que habitava,
O medo o dominava
E a cegueira o guiava.

Cresceu, pois, o pequeno tirano,
E, ao aprender a arte da escrita
Pôs-se a justificar seu vazio,
Em seus delírios sádicos
Sua impotência sensual
Fez-se ponto de partida
Do ódio ao Carnal.

Escreveu ele o melhor que poderia
Levando em conta o tempo
Em que nenhuma ciência havia,
Divagou sobre as estrelas
E o deserto em que vivia
Atribuindo a existência destes
À sua vida vazia.

Proclamou-se superior aos demais
Pois assim fora levado a crer,
E com uma fé doentia em si mesmo
Continuou a escrever:

Declarou morte aos homens
Que não fossem livres,
Obcecou-se com o Feminino -
Para ele inatingível -
Então demonizando-o, perseguindo-o,
Fruto de seu desejo reprimido.

Exterminou todas as mentes que discordavam,
Fez a sua história Única. Rasurou para sempre o passado.
Glorificou-se diante de um povo de escravos,
Fez-se deus diante dos desgraçados.

Mas a Morte é imutável em sua essência
E este pequeno tirano era apenas um homem,
Seus próprios vícios provocaram a falência
Dos sentidos que as larvas então consomem.

Seu povo foi dominado,
Seu território conquistado,
Não tinham mais os escravos
O pequeno deus a seu lado.

Porém esse povo sofrido
Era numeroso e teimoso,
E para libertar-se de novo
Resgatou o Mal nutrido:

Utilizaram o único livro
Escrito em sua esquecida língua
Para guiar um povo medroso
Para a única saída.

Escravos fugidos fundam
Um culto ao Passado,
Transformando aquele pequeno tirano
Em Tudo e Nada.

Absorveram sua aversão a si mesmo
Transmitindo-a para seus descendentes,
Criaram uma concepção de existência
No mínimo, decadente.

E formaram seu reino,
Agora utilizando o ódio
Da mente doentia daquele coitado,
Pela ignorância vitimado,
Que morreu desconsolado.

E agora dominam esses herdeiros
Da Ganância, do Desespero,
Atrofiando as mentes dos inocentes,
Em seu pobre culto carente
Que visa destruir o mundo em que vivemos
Para acabar com o horror a si mesmo
Herdado da ignorância tribal -
O pequeno tirano sorri nas estrelas:

Nem em seus sonhos mais doentios
Esperava que vingasse sua maldade,
Nem em seus delírios mais "criativos"
Esperava tal imbecilidade
Dos filhos do seu povo,

Filhos do absolutismo,
Do sofrimento como única realidade,
Da primitiva crueldade
Vinda da infância - abismo.

Agora toda uma espécie sofre,
Manipulada pelos ideais narcisistas
De um monarca tribal,
Crianças morrem de fome e enfermidades
Bem diante das vistas
Dos sacerdotes do Mal.

E nada muda desde então -
A ignorância é indústria,
A pobreza, virtude,
E a liberdade, ilusão.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Um Ano Novo

É preciso uma data,
Ocasião de celebrar
A destruição do passado
Jogando flores ao mar.

É preciso uma farsa
Na qual se afogar,
Sufocar e morrer em si mesmo
E, prepotentemente, renascer.

Pode ser preciso menos
Mas geralmente há bem mais que isso,
São em geral detalhes pequenos
Que momenteiam meu cérebro omisso.

Estes são os núcleos, sujeitos
A todo tipo de interferência circunstancial,
Desde o comentário mais banal
À consciência dos meus defeitos.

Notei que, ao fim do período,
Orações são feitas e refeitas,
Predicados são eliminados,
Verbos, em geral, cortados,
E esses papéis são quase sempre rasgados.

Convém lembrar, no entanto,
Que as pessoas se definem sozinhas
Quanto ao que pensam e agem
E eu sei de mim mesmo algo útil:

Sei que enquanto houver canto
As notas seguirão minhas linhas
E serei eu o delimitador das margens
Que levarão a um fim maravilhoso e sutil.

E feliz ano novo para quem quer que tenha lido.