segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Frio

Atirado no desdém e no escárnio
Minhas imagens distorcem e derretem,
E ao habitar o vazio
Quebram-se as partes que formam quem sou,

Ao grunhir das caixas metálicas
E seu movimento de estupro
Eu estou só.
Pois fui abandonado por mim mesmo
Enquanto fragmentos da minha identidade
Se dissolvem no vazio.

Aqui, no inóspito e hostil,
Eu sinto frio.
Aqui apenas existo, não desfruto, destruo ou crio.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Silêncio

Sorriu para a Lua, seu contorno
Recortado contra o céu noturno,
Fascinado pelo brilho morno
E a solidão do seu eu soturno

Mundo, vacilou seu olhar
E aos poucos deslumbrou
O mar. Deslocou os ventos,
Desedificou. Sonhou.

Acordou no frio da margem,
Segregado por princípio próprio,
Sufocou a paisagem, soterrou
No ópio a angústia, adiou viagem.

Seguiu de face erguida porém
Olhos baixos, procurando além
Da verdade aparente, no Sol
Da sua mente, um farol

No limbo interno do vazio.
Perdido no espaço extenso
Para vagar no ócio
E dedicar-se ao silêncio.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Enfim

A sua dor presa na garganta
E a muda e sufocante boca.
O suspiro liberta as lágrimas
E a alma vomita o desgosto.

O passado acabou, queimou-se o combustível.
O presente é dor, do futuro indistinguível,
E o que traz a repulsa, o vício, a angústia:
Ser e saber quem sou, viver como vivo.

Um desprezo sem referências, dois lados negativos,
Fúria sem violência, surtos inofensivos,
Batida sem cadência, olhares inquisitivos
Sem respostas, sem ter quem responda...

O chão e o céu vazios
Perderam o sentido,
O desabar da prisão
Deixou sólidos cacos de vidro

Onde deito, rolo, ando, corro e finjo ser alguém.
De alimento o desdém, e uma sede por lágrimas.

São as únicas ânsias que possuo
E a fonte do meu sustento.

Já não há mais lamento...
Certo desespero no escuro...

Nos olhos vidrados que tentam penetrar a escuridão
Mas só refletem seu interior para dentro.
Na injustiça do mundo percebida em vão,
No torturante ritmo lento
Que a bem-vinda Morte declara sua visita.

Enfim sem dor, sem sofrimento.

domingo, 24 de julho de 2011

Realidade Ausente

Mesmo depois de partido em pedaços
E atirado, sangrando, ao chão,
É incrível atestar
Que ainda machucas meu coração.

A alma gêmea que me revelou
Toda a extensão da minha insignificância
Perdeu-se no fluxo do Tempo
Mas minhas cicatrizes ainda sangram.

É extremamente doloroso
Não ser capaz de apreciar
O valor de tudo o que deveria importar.
Mas torna-se excruciante imaginar
Os diferentes caminhos que eu poderia trilhar
Ao mudar minha forma de andar.

Esse sangramento ainda não parou...
Já não há gotas, mas correntes submersas
No mar do meu sangue, que me afoga,
Me distorce, me dispersa.

É uma verdadeira tortura amar...
Contra a vontade e incondicionalmente,
Irracional e imparcialmente,
Atirando-se de cabeça num universo
De realidade ausente.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Único Desejo (Despedida)

 Me alegraria conhecer alguém
Que tivesse penetrado no véu da infelicidade
Tão profundamente
Que a esperança se torna indiferente
E o que há são os arrependimentos passados
E a agonia do presente.

Eu gostaria de conhecer alguém
A quem a existência por si só não mais tivesse sentido,
A quem uma dor lancinante e constante
Flagelasse o coração partido,
Alguém sem correspondente.

É para mim extremamente doloroso o suportar
Das memórias ainda vivas e incontroláveis
De passados recentes, e impossível tolerar
As possibilidades que houveram de caminhos diferentes
Que agora rondam a minha mente, livremente.

Já não vejo sentido algum em suportar essa agonia,
Não tenho mais nada. Não sou mais nada.
Não desejo mais nada, perdi tudo.
Só quero descansar e esquecer...

Esquecer de tudo e deixar de ser,
Gentilmente passando para o repouso eterno
E sem consciência de que nada está para acontecer.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Túmulo

Meu coração é um túmulo

Pois

É um cadáver numa cova de dois,
Preso ao chão por correntes
Geladas que o envolvem
Dos pés à cabeça,
Completamente.

É um lugar sem luz
Onde a vegetação não vinga,
Mesmo assim um espantalho preso numa cruz
Fica ali, dia e noite à míngua.

Desmancharam as paredes do meu túmulo
Como se desmancha marcas na areia,
Sem muito esforço, com desdém,
Como em quem não corre sangue nas veias.

E depois de dar tudo que tinha e ser morto pelas costas
Meu túmulo é derrubado num insulto final,
Minha lápide sem recado é jogada sobre o sal
Que cobre o solo à volta do meu caixão,
Para eliminar quaisquer possibilidades
De manifestação das minhas últimas vontades
Que poderiam germinar nesse sujo chão
Desse triste vão
Que é o meu coração.

sábado, 30 de abril de 2011

Diante do Abismo

E tornou-se primal,
Fruto da fome de sangue
De uma decadência final.

De súbito lhe sobreveio a ânsia absoluta,
Negada sob um luto obsceno
Da vida ainda nem vivida
Que a sua besta interior ainda refuta.

Chocaram-lhe as marcas humanas
Cravadas cruelmente na História,
E curvando-se diante do abismo
Ele teve um vislumbre de glória:

Leu imagens nos sons
E viu formas nas escalas,
Harmonizou os lamentos em melodia
E destrancou a porta de entrada
De uma dimensão só sua,
Na qual livrou-se de si mesmo
E reescreveu seu conceito de magia
Guiando as curvas da estrada
Da solenidade bacante e nua.

Ele fez de si algo mais
Ao romper com seu ser
E docemente rasgar
A cortina diante do Existir,
Firmou-se sob o seu império
De múltiplas amplitudes
E a um libidinoso toque lunar
Fez o Universo sorrir.

terça-feira, 8 de março de 2011

Mulher

O que seria de mim se assim não fosse?
Viveria eu num mundo desigual,
Onde a minha única arma
Seriam as curvas corpóreas, temporárias?

Seria eu fadado à exposição necessária,
Á fraqueza interna, à dependência arbitrária?

Eu seria um pária.

O desgosto me invadiria os pulmões,
E eu me julgaria inapto à sobrevivência.

Eu seria propriedade, seria posse,
Nunca proprietário d'um igual.
Eu pensaria menos, não por opção,
Mas por ser destinado a ser sensual.

Eu seria o Mal.

Seria pecado, impureza,
Gado, sutileza,
Servo, com certeza.

Mas será que seria?
Ou será que sou?

Serei eu o Mal gerado
Pondo a culpa do próprio Ser
No lado errado,
Na origem do meu viver?

Serei eu o criador dos rótulos
Que grudam ao nascer
E não se desfazem jamais?

Sou a manifestação dos medos,
A insegurança dos segredos,
A manutenção da quimera
Da auto-degeneração.

Vivo, então, em desgraça plena,
Numa vantagem obscena,
Cruel, sem pena,
Para com quem não tem culpa
De nascer com o dom da Vida.

Personifiquei a inveja
Através de milênios de repressão,
Colocando-me acima e fazendo crer reais
Essas minhas palavras,
Vigiei de perto a provação alheia
E a santifiquei, criei mártires entre elas.

Agora a culpa me habita.
O plasma mensal não lava
As lágrimas do sofrimento,
Nem o alívio de um momento
Sacrifica para si um intento

De ser livre, igual, maior
E, enfim, monumento.

Aqui eu só as suplico:
Abdiquem da dor e da culpa,
Sejam amazonas na luta,
Sejam poetas da conduta,
E tornem-se o que nasceram para ser.

Mulheres.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Auto-Criação

Novas formas, ecos sem origem,
Ondulando a esmo, desmoldando uma superfície,
Onde antes eu parecia me encaixar
Agora deslizo... escorrego por sobre as ondas.

O calor que fundiu as bordas
Da minha definição e suas vertentes,
Ajudará, espero, a moldar um novo recipiente

Que será limpo, terá sutileza,
Se formará em meio à correnteza
E só quebrará quando for necessário.

Terei nele uma gama de mim mesmo
Onde poderei misturar, decantar e destilar,
Brincarei com as partes de minha essência,
Procurando combinações inesperadas
Até achar a que mais me agrade ou me interesse.

Então a alimentarei, priorizarei sua independência,
E ela irá retornar-me o melhor dos presentes:
A afirmação solene da minha existência.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Amor e Solidão

Um pedaço de mim se soltou do meu peito,
Criou asas e alçou vôo, indo para longe...
A cratera toráxica deixada sangra amor,
Amando quaisquer pedaços que existam...

Isso é amar a sós no leito
Sem amar como monge,
Amar em conjunto com a dor
De não ter mais o amor
Mas ainda assim amando quaisquer que vivam.

Esse amor abrangente
Está só em sua paixão,
Displiscentemente
Sangrando em vão.

Pois chove dentro de mim
E eu já não sei mais
Que farei com esse vazio,
Esse pedaço foi-se ao Fim
Deixando-me sem paz
E o meu viver jaz sobre um fio.

Não é possível ser consigo, apenas,
Nem consigo querer a todos simultaneamente,
Tenho pensado Compadecimento
Enquanto sangro por dentro
Num violento desalento
De querer sentir-me plenamente,

Agora a chuva dentro de mim
Enrubrece minha visão.
Eu nada enxergo, estou cego
De amor e solidão.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

História e Religião

Nasce o filho de um rei
Nos primórdios da nossa história,
Destinado a ser Lei
E a personificação da Glória.

Ouvindo o que lhe diziam
Desde que palavras entendeu
Concluiu que tudo que havia
Devia seu ser ao seu Eu.

Resumido o mundo
Ao reino em que habitava,
O medo o dominava
E a cegueira o guiava.

Cresceu, pois, o pequeno tirano,
E, ao aprender a arte da escrita
Pôs-se a justificar seu vazio,
Em seus delírios sádicos
Sua impotência sensual
Fez-se ponto de partida
Do ódio ao Carnal.

Escreveu ele o melhor que poderia
Levando em conta o tempo
Em que nenhuma ciência havia,
Divagou sobre as estrelas
E o deserto em que vivia
Atribuindo a existência destes
À sua vida vazia.

Proclamou-se superior aos demais
Pois assim fora levado a crer,
E com uma fé doentia em si mesmo
Continuou a escrever:

Declarou morte aos homens
Que não fossem livres,
Obcecou-se com o Feminino -
Para ele inatingível -
Então demonizando-o, perseguindo-o,
Fruto de seu desejo reprimido.

Exterminou todas as mentes que discordavam,
Fez a sua história Única. Rasurou para sempre o passado.
Glorificou-se diante de um povo de escravos,
Fez-se deus diante dos desgraçados.

Mas a Morte é imutável em sua essência
E este pequeno tirano era apenas um homem,
Seus próprios vícios provocaram a falência
Dos sentidos que as larvas então consomem.

Seu povo foi dominado,
Seu território conquistado,
Não tinham mais os escravos
O pequeno deus a seu lado.

Porém esse povo sofrido
Era numeroso e teimoso,
E para libertar-se de novo
Resgatou o Mal nutrido:

Utilizaram o único livro
Escrito em sua esquecida língua
Para guiar um povo medroso
Para a única saída.

Escravos fugidos fundam
Um culto ao Passado,
Transformando aquele pequeno tirano
Em Tudo e Nada.

Absorveram sua aversão a si mesmo
Transmitindo-a para seus descendentes,
Criaram uma concepção de existência
No mínimo, decadente.

E formaram seu reino,
Agora utilizando o ódio
Da mente doentia daquele coitado,
Pela ignorância vitimado,
Que morreu desconsolado.

E agora dominam esses herdeiros
Da Ganância, do Desespero,
Atrofiando as mentes dos inocentes,
Em seu pobre culto carente
Que visa destruir o mundo em que vivemos
Para acabar com o horror a si mesmo
Herdado da ignorância tribal -
O pequeno tirano sorri nas estrelas:

Nem em seus sonhos mais doentios
Esperava que vingasse sua maldade,
Nem em seus delírios mais "criativos"
Esperava tal imbecilidade
Dos filhos do seu povo,

Filhos do absolutismo,
Do sofrimento como única realidade,
Da primitiva crueldade
Vinda da infância - abismo.

Agora toda uma espécie sofre,
Manipulada pelos ideais narcisistas
De um monarca tribal,
Crianças morrem de fome e enfermidades
Bem diante das vistas
Dos sacerdotes do Mal.

E nada muda desde então -
A ignorância é indústria,
A pobreza, virtude,
E a liberdade, ilusão.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Um Ano Novo

É preciso uma data,
Ocasião de celebrar
A destruição do passado
Jogando flores ao mar.

É preciso uma farsa
Na qual se afogar,
Sufocar e morrer em si mesmo
E, prepotentemente, renascer.

Pode ser preciso menos
Mas geralmente há bem mais que isso,
São em geral detalhes pequenos
Que momenteiam meu cérebro omisso.

Estes são os núcleos, sujeitos
A todo tipo de interferência circunstancial,
Desde o comentário mais banal
À consciência dos meus defeitos.

Notei que, ao fim do período,
Orações são feitas e refeitas,
Predicados são eliminados,
Verbos, em geral, cortados,
E esses papéis são quase sempre rasgados.

Convém lembrar, no entanto,
Que as pessoas se definem sozinhas
Quanto ao que pensam e agem
E eu sei de mim mesmo algo útil:

Sei que enquanto houver canto
As notas seguirão minhas linhas
E serei eu o delimitador das margens
Que levarão a um fim maravilhoso e sutil.

E feliz ano novo para quem quer que tenha lido.