quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Revolução do Declínio

Éramos muitos, vínhamos sob a seca da tentação,
Éramos tenros, virgens de paixão e solidão,
Esgueiramo-nos por entre os ramos folheados da glória
E vimos de perto a martirização da memória,

Apenas para voltarmos a ser o que éramos,
Tristes, divinos e perplexos de incapacidade,
Éramos muitos não sabendo que pouco éramos,
Fomos aos berros e voltamos sem fazer alarde,

Jogaram fora os pontos de convergência,
Éramos tambores em uma só cadência,
Enamoraram-se com outras divindades,
Éramos todo, já nem somos metade,

Somos a escravatura abolida
Sem os arranhões e cortes,
Mártires somos em vida,
Esquecidos após nossas mortes.

Neblina

No alto da colina
Em meio às dunas frias,
Respiramos a neblina
No morrer dos dias,

Cantamos lamentos em versos
Que lembram o que se perdeu,
Fomos além dos montes cinzentos-
Só quem voltou fui eu.

Voltei a seguir o caminho inverso
E na névoa sufocante fui imerso,
Se em momento algum percebi que morri
Falhei no julgar de todas as coisas que vi,

Essa névoa que isola e completa
É meu refúgio e minha tortura,
Meu escudo contra a ternura,
Minha explosão discreta.

Inversão

Vivi pela dor do desencanto,
Pelo amargo da lágrima
E pela ternura do canto,

Vivi pelo que há para se viver,
Justifiquei ao cúmulo a existência do ser,
Saboreei cada momento de dor no pranto,

Fui uma gota de orvalho
Na noite do cerrado
E só na minha luta eu falho
Em carregar-me como fardo.

As eras que vivi nos anos de que me lembro
Esbanjaram desdém e negligência,
Vi nelas a negação da decência
E a face da besta que habita dentro.

Deserto

Estou deitado, congelado sob o Sol,
Ouvindo os murmúrios do mar que me sufoca
Com suas areias quentes e lembranças mortas,

Nessas lembranças que secaram acho a força que me falta,
Acho o júbilo na lágrima e o vazio na pauta,
Mesmo livre, sob a lucidez sem esperança
Ignoro as farpas que o deserto ressalta,

Submerso nos grãos impermeáveis a qualquer das minhas angústias
Simbolizo o declínio da vida frente às naturais úlceras
Criadas pelo desdém, o ódio e a contradição
E sofridas por todos abaixo do meu panteão,

O deserto secou-me de quantas lágrimas pudesse chorar,
Tragou-me vorazmente na sua ânsia por voltar
A ser digno, cruel e livre, rei das suas imediações,
Embora tragando-me, joga no olvido todas suas canções
Que comigo jazem sob o morto mar.

Cura nas Cordas

Perdura minha angústia
Nessas doces notas frias,
Cada uma tocada em fúria
Que a partitura não denuncia,

Tenho em mãos então
A solução da solidão,
Os soluços dos acordes
E as lamúrias do refrão,

Sobrarão linhas vazias
E compassos em branco,
Serão minhas as crias
Do destoado desencanto,

Nesse meu alento
Que extrai um pouco,
Usando meu instrumento,
Meu veneno rouco.

Apagador

Cá estou na gruta de luto,
Infiltro notas nas nuvens,
Recito versos ao crepúsculo,
Nos braços de Atlas cai o corpo ensanguentado,

Solene e amarga é a batida em retirada,
Vão-se as sombras atrás da luz,
A celeste é apagada,
O som das andorinhas é calado,

Faço jus à escuridão
Enquanto na condição
De andarilho solitário,
Lanço tons de aflição
Nas estrelas que vão
De Capricórnio a Sagitário.

Antítese

Em mim achei a antítese do ser
Na consciência reversa da vastidão
Interna, na ausência do clarão,
Fora do alcance do meu poder,

Porém de achado veio a mim
Apenas ciência do oposto
Que no reflexo é visível ao fim,
Trajando a pele do meu rosto,

Pontuando erroneamente meu discurso
Em detrimento da minha origem
Satisfaz-me os impulsos,

Declarando meu desuso
Mesmo que meus sonhos gritem
Torna-os todos avulsos

Advento de Pandora

Muito tempo faz desde muito tempo atrás
Quando eu via no céu as sombras do abismo,
Eu era um só com a escuridão mordaz,
Não havia dualidade ou individualismo,

Eu vi nos dias sem dia
E nas noites sem prata,
Em cada fulgor sem brilho,
Em cada muda sonata,

O semblante do meu tormento,
O arquiteto do relento,
Sabotando a minha aurora.

Desafio o vazio
Nas sombras que crio,
Sou um advento de Pandora.

Frio, Fulgor e Fuga

Na plenitude do ser
As sombras transbordam
E lavam da alma o querer
Estar, depender das sombras que sobram,

Desgarro-me das sensações
Que remetem à luxúria da vida,
Sem pesar por temer
A solidão vazia,

Valhi-me das distâncias
Percorridas no exílio,
Fugi das estrelas
Desejando seu brilho,
Vivi nas minhas quimeras
E por elas me humilho,
Saboreando o pesar
De ansiar o auxílio.

Imerso

No vazio do Alheio
Onde nado, estúpido animal
Com sua característica social:
Minha necessidade primal.

A ânsia de me aproximar do estupor
Pra que as obtusas vozes
Levem-me para longe da dor
E da náusea de ser quem sou.

É quando a náusea domina o corpo
E a mente domina o rancor,
A alegria do eu morto
Que apenas ao próprio vômito
Cultiva amor.

Naqueles tempos que são agora
Eu morri tantas vezes,
Eu vivi não mais que o necessário
Para agradar aos meus deuses.

E dessa inversão do avesso
Vem minha aversão ao inverso,
Nas teias cruéis que teço
Estou imerso.

O Nada e as Lembranças

Estou vazio.
Debaixo de todas essas camadas
Frias, mortas, úmidas, sujas,
Não há nada.
Não há nem mesmo o Nada.

O que há em mim são lembranças
De quando algo ainda havia,
Havia sonhos, lutas, dor e esperanças,
Houve até lágrimas vazias.

Agora eu só rejeito esse jeito
De viver ajeitado, com tudo no lugar,
Esse jeito que tirou de mim
Tudo o que havia a se lembrar,
E que contra mim move minha angústia.

Abaixo esse jeito podre de viver
Que nos tira o que temos de humano.

Razão de Existir

Com uma resolução
E muitos gritos
Fiz-me livre duma vez
Desses devaneios aflitos,

Livre das angústias
Impostas pela certeza,
Livre do lugar à mesa,
Da sua convicção ilesa.

Fiquei livre das horas
Em que de júbilo gozei
A tua presença sutil,
Livre da companhia
Que preenchia o dia
Aliviando minha dor vil.

Com muita dor fiquei livre,
Sem amarras quaisquer,
Sem o norte de ti.
Me tornei silhueta de mim,
Sombra que só ao corpo deve
Razão de existir.

Lágrimas Vãs

Agora já é tarde para exibir os prantos
E eu ainda preso por teus encantos,
Já não se tem mais coragem de se dizer,
É noite. É frio, só e pleno.
É o peito exposto ao sereno
Na ânsia pelo que já não se pode ter.

Já não há como se ter certeza
Do vazio que se deixa ao alheio,
Já não há qualquer vontade acesa
Sem uma lágrima fria no meio.

Perdeu-se o temor e o encanto,
Ficaram as dúvidas e o arrependimento,
Tornou-se maligno o que já foi santo,
Desprezou-se a força do intento.

A parte minha que era você se foi
E levou consigo a outra parte,
Sobraram só os versos espalhados,
Reflexos de raios dourados
Que cegaram minha alma
E destroçaram-me o ser.

Essa dor que força o choro
Que vem contra minha vontade
É inútil.
Pois ninguém
Ouvirá,
Se apiedará,
Entenderá,
Voltará.
Serão apenas lágrimas secando no chão.
Serei apenas eu sozinho, sofrendo em vão.

Olhos Apagados

Nessas últimas horas do dia
O céu se tinge de melancolia
E a tua ausência se faz presente
Sobre meus olhos caídos
Que já perderam a vontade
De continuar olhando
Qualquer horizonte
Sem tua sombra ao lado
E ansiam fechar-se
Para sempre apagados.

Agora Que Não Me Amas Mais

Agora que não me amas mais
Serei meu próprio consolo,
Agora posso temer só a mim mesmo
Sendo ao mesmo tempo gênio e tolo,

Agora que não me amas mais
Sou meu próprio Sol frio,
Posso então, aos poucos, retornar
Ao meu nobre vazio,

Agora, que não me amas mais
Sofrerei, contente, as injúrias da solidão,
Saberei que ao menos são meus
Esses versos melados de ausência,
Estupidamente escritos por livros bestas
Que minha mente relapsa não guardou direito.

Agora que já não me amas
Sou menos que antes de ti,
Tiraste de mim o pedaço que se tornaste,
Nada o poderá substituir,

Agora, num cinza azulado,
Já não me amas mais,
Agora, depois do amor completo,
No tormento, achei paz.